quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Tire o Pé, meu filho, por favor!

Isaac Fonseca Araújo
Educador, escritor e jornalista

Sempre que reunia toda a família, Aparecida ficava muito feliz, sentia-se realizada ao ver os seus em comunhão. Lógico, qual mãe não ficaria? Mas, aquele almoço de domingo era mais do que especial, já que além da comemoração pela formatura de Ana Cristina – a caçula, agora Odontóloga –, também possibilitava uma confraternização pelo cinquentenário de Josenildo.
José, como era carinhosamente chamado por todos, não se importava muito com a data, não tinha por costume ficar sentado esperando que o servissem. Sempre prestativo e acolhedor, esmerava-se em ajudar Aparecida para servir a todos. Não cansava de dizer que seu primeiro presente era ver a satisfação estampada nos rostos das três filhas e, de modo particular, contemplar a alegria contagiante dos cinco netos.
Entre os presentes naquela festa familiar havia um consenso acerca da energia acima da média que João Carlos demonstrava. Talvez fosse esse o motivo para o chamarem de Joãozinho, parece bem clássico. O que ninguém imaginava é que naquele dia, justo nesse dia, o quase adolescente se superaria em peraltices.
Uma possibilidade que desde cedo incomodava o casal Pedro e Lúcia, a primogênita de Josenildo. A mãe, sempre mais atenciosa, já tinha repetido umas dez vezes a frase “tire o Pé, meu filho, por favor”! Todas elas fracassadas, é claro: Joãozinho era uma vibração só, nem o risco de cair na piscina – cuja ausência de nado constituía uma ameaça visível – nem o fogo na churrasqueira inibiam o garoto. Aparecida só olhava, achava era bonito.
___ Tudo bem, hoje é dia de festa, Lúcia, deixa o menino brincar, acalmava.
Mas Pedro igualmente monitorava e, sempre que Joãozinho subia nas cadeiras, botava os pés na água ou fazia gestos de que subiria na mesa, insistia:
___ João Carlos, tire o Pé, meu filho, por favor!
Peraltices a parte, todos se confraternizavam. Aquele era um dia muito esperado, uma realização imensurável para Aparecida e José. As estripulias das crianças? Ora, nada mais do que o vigor da criação divina. Assim todos as reconheciam.
___ Meus amores, a mesa está servida, avisou Aparecida. Como de costume vamos primeiro agradecer a Deus e, depois, José e eu queremos todos sentados, pra que essa refeição seja um momento único em nossa família, orientou.
___ Antes da oração quero dizer duas palavrinhas de agradecimento, solicitou Ana Cristina. Bom, depois já viu, falou Josenildo, a filha mais velha, um dos convidados e, finalmente:
___ Agora vamos agradecer a Deus por essa dada histórica – disse Aparecida. Em seguida cantaremos os parabéns, concluiu.
Os netos até que se sentaram, com exceção de um, que circulava a mesa como quem deseja fazer uso da palavra.
___ Bom apetite meus queridos, exclamou José.
Até aqui tudo na medida, e eis que surge o inesperado. Por alguns segundos, enquanto Josenildo deu as costas para buscar o último aperitivo, Joãozinho subiu na cadeira do avô e anunciou:
___ Também quero cantar uma música, em nome dos netos. A essa altura os pés já tocavam a toalha sobre a mesa, talvez desejasse mostrar uma coreografia, mas não se dava por satisfeito sobre a cadeira, seu alvo era mesmo a mesa.
Aparecida e Lúcia, de forma sincronizada, adiantaram-se:
___ Tire o Pé da mesa, meu filho, por favor! Você poderá cair e se machucar e, ainda, derrubar a comida, suplicaram. Mas Joãozinho fez-se indiferente, queria a todo custo roubar a cena.
___ Não seja teimoso, João Carlos, tire o Pé, por favor! Endossou Pedro. Você está desrespeitando seus pais, tire o Pé, meu filho, insistiu. Tarde demais, Joãozinho já estava com o corpo quase todo em cima da mesa.
Aparecida e Lúcia nem tiveram tempo de anunciar o final da apresentação. Com o corpo desequilibrado e sem espaço – tendo em vista a fartura de comida – bastou alguns segundos para que Joãozinho viesse abaixo. O garoto não se machucou, mas sobre a mesa não sobrou um prato com comida, porque o pé direito de Joãozinho prendeu na toalha e a arrastou até o chão.

___ Ai meu Deus, gritou José. E agora, o que vamos almoçar? Tanto que pedimos a você: tire o Pé, por favor, mas você teimou em não atender. Bonito então, agora ficará com fome como todos nós.  

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