Isaac Fonseca Araújo
Educador, escritor e jornalista
Sempre
que reunia toda a família, Aparecida ficava muito feliz, sentia-se realizada ao
ver os seus em comunhão. Lógico, qual mãe não ficaria? Mas, aquele almoço de
domingo era mais do que especial, já que além da comemoração pela formatura de
Ana Cristina – a caçula, agora Odontóloga –, também possibilitava uma
confraternização pelo cinquentenário de Josenildo.
José,
como era carinhosamente chamado por todos, não se importava muito com a data,
não tinha por costume ficar sentado esperando que o servissem. Sempre
prestativo e acolhedor, esmerava-se em ajudar Aparecida para servir a todos.
Não cansava de dizer que seu primeiro presente era ver a satisfação estampada
nos rostos das três filhas e, de modo particular, contemplar a alegria
contagiante dos cinco netos.
Entre
os presentes naquela festa familiar havia um consenso acerca da energia acima
da média que João Carlos demonstrava. Talvez fosse esse o motivo para o
chamarem de Joãozinho, parece bem clássico. O que ninguém imaginava é que
naquele dia, justo nesse dia, o quase adolescente se superaria em peraltices.
Uma
possibilidade que desde cedo incomodava o casal Pedro e Lúcia, a primogênita de
Josenildo. A mãe, sempre mais atenciosa, já tinha repetido umas dez vezes a
frase “tire o Pé, meu filho, por favor”!
Todas elas fracassadas, é claro: Joãozinho era uma vibração só, nem o risco de
cair na piscina – cuja ausência de nado constituía uma ameaça visível – nem o fogo
na churrasqueira inibiam o garoto. Aparecida só olhava, achava era bonito.
___ Tudo
bem, hoje é dia de festa, Lúcia, deixa o menino brincar, acalmava.
Mas Pedro
igualmente monitorava e, sempre que Joãozinho subia nas cadeiras, botava os pés
na água ou fazia gestos de que subiria na mesa, insistia:
___
João Carlos, tire o Pé, meu filho, por
favor!
Peraltices
a parte, todos se confraternizavam. Aquele era um dia muito esperado, uma
realização imensurável para Aparecida e José. As estripulias das crianças? Ora,
nada mais do que o vigor da criação divina. Assim todos as reconheciam.
___
Meus amores, a mesa está servida, avisou Aparecida. Como de costume vamos
primeiro agradecer a Deus e, depois, José e eu queremos todos sentados, pra que
essa refeição seja um momento único em nossa família, orientou.
___
Antes da oração quero dizer duas palavrinhas de agradecimento, solicitou Ana
Cristina. Bom, depois já viu, falou Josenildo, a filha mais velha, um dos
convidados e, finalmente:
___ Agora
vamos agradecer a Deus por essa dada histórica – disse Aparecida. Em seguida
cantaremos os parabéns, concluiu.
Os
netos até que se sentaram, com exceção de um, que circulava a mesa como quem
deseja fazer uso da palavra.
___ Bom
apetite meus queridos, exclamou José.
Até
aqui tudo na medida, e eis que surge o inesperado. Por alguns segundos,
enquanto Josenildo deu as costas para buscar o último aperitivo, Joãozinho
subiu na cadeira do avô e anunciou:
___
Também quero cantar uma música, em nome dos netos. A essa altura os pés já
tocavam a toalha sobre a mesa, talvez desejasse mostrar uma coreografia, mas
não se dava por satisfeito sobre a cadeira, seu alvo era mesmo a mesa.
Aparecida
e Lúcia, de forma sincronizada, adiantaram-se:
___ Tire o Pé da mesa, meu filho, por favor!
Você poderá cair e se machucar e, ainda, derrubar a comida, suplicaram. Mas
Joãozinho fez-se indiferente, queria a todo custo roubar a cena.
___ Não
seja teimoso, João Carlos, tire o Pé,
por favor! Endossou Pedro. Você está desrespeitando seus pais, tire o Pé, meu filho, insistiu. Tarde
demais, Joãozinho já estava com o corpo quase todo em cima da mesa.
Aparecida
e Lúcia nem tiveram tempo de anunciar o final da apresentação. Com o corpo
desequilibrado e sem espaço – tendo em vista a fartura de comida – bastou
alguns segundos para que Joãozinho viesse abaixo. O garoto não se machucou, mas
sobre a mesa não sobrou um prato com comida, porque o pé direito de Joãozinho
prendeu na toalha e a arrastou até o chão.
___ Ai
meu Deus, gritou José. E agora, o que vamos almoçar? Tanto que pedimos a você: tire o Pé, por favor, mas você teimou
em não atender. Bonito então, agora ficará com fome como todos nós.
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