(Leia outras reflexões e matérias jornalísticas em Tribuna Popular, Edição 5, julho/2014).
Há um filme de origem norte americana,
protagonizado pelo conhecido ator Jason Statham (Detetive Quentin Conners), cujo nome é caos.
Na trama
policial, Detetive Conners sente-se perdido em meio a um grande roubo de banco,
ao qual se associam sucessivos eventos de destruição social (explosões
relâmpagos, interrupções no fornecimento de energia etc.) que, em conjunto,
projetam uma realidade de fim da cidade. Tudo leva a crer que já é chegada a
hora do fim dos tempos.
Ao
protagonista foi dada a incumbência de atravessar todo o enredo correndo atrás
dos fatos, como um cego perdido em tiroteio. Até que no final da obra tudo se
encaixa, quando a lógica dos fenômenos é percebida: Conners, enfim, descobre
que há um agente (Wesley Snipes, Lorenz), o chamado antagonista, arquitetando e
dirigindo todos os eventos, de modo a criar um imaginário de juízo final.
De fato, essa
era a sensação vivida por aquela comunidade local: de que se tinha chegado à
beira do abismo, não fosse o elemento surpresa que ali garantia o brilho
cinematográfico, ou seja, a ação do malfeitor e seus correligionários no
comando das sistemáticas desgraças. No final, bastou cortar a raiz dos
problemas e a cidade voltou à normalidade.
Como já é
sabido, a descoberta de Conners (a partir da qual a cidade foi salva) sugere
propositalmente que os Estados Unidos têm capacidade de resolver todos os
problemas do mundo, que ninguém pode derrotá-los. Mas isso não importa. A lição
importante é que, em sociedade, tudo está interligado. Por trás de fatos aparentemente
isolados há uma (ainda que implícita e fina) conexão, pois a sociedade
constitui-se um sistema, formado por organismos integrados.
Tenho lembrado
deste filme, sempre que penso a respeito da realidade hoje vivida pelo povo
miriense. Nossa terra querida, internacionalmente conhecida pelo seu
agroextratvismo, por sua cultura e religiosidade, agora chamada Capital do
Açaí, nos últimos anos geme como em dores de parto, sobretudo refém da onda
de violência que aqui se instalou, cujas proporções já quase se equivalem a uma
guerra civil.
Especialmente de
2013 até estes dias não tivemos mais nenhuma garantia de que estaremos vivos no
dia seguinte. Nossa Igarapé-Miri está dominada pelo tráfico de drogas e de
armas, os quais alimentam um fenômeno antigo e cada vez mais acentuado: o
confronto entre gangues pela disputa de território.
Os grupos
rivais, bem municiados de armas e drogas, enfrentam-se constantemente pela
cidade, a qualquer hora do dia. Tiroteios surgem “do nada” e, seguidas vezes,
deixam feridos e até mortos cidadãos inocentes atingidos pelas chamadas “balas
perdidas”.
Já não podemos
mais nem ir à praça da cidade (um dos pouquíssimos lugares públicos de
confraternização), porque quase toda semana surgem confrontos relâmpagos com
resultados tristes para famílias de bem.
A situação de
vulnerabilidade social se agrava cada dia mais em função da ausência de governo
instalada. Vivemos em meio a um caos social, numa situação de calamidade
pública não declarada. A sensação que fica é que não temos para quem nos
queixar. Nossas vozes até agora não foram ouvidas. E o que tem nos restado são
o medo e o sentimento de impotência.
Mas acredite,
não existe nada de ruim que não possa piorar. Não bastasse esses fenômenos
todos, agora já nem podemos nos expressar. Há um esforço sistemático para
silenciar todos aqueles que se mostram contrários à ordem do caos. E com um
agravante: trata-se de uma repressão institucionalizada, liderada por agentes
públicos (ou a eles filiados), o que constitui uma espécie de ditadura branca.
O rompimento
com esse cenário parece cada vez mais distante, já que uma cultura degradante
enraíza-se a cada dia: parte da sociedade civil local não protesta, faz-se
indiferente, não acredita mais na organização, calou-se. Os responsáveis por
fiscalizar e/ou fazer cumprir as leis, não raro parecem inertes e, a população,
outra vez, diz “isso é assim mesmo, não tem jeito”.
O fato é que
por trás de todo caos existe uma lógica (como aquela percebida pelo Detetive Conners).
É preciso entender quais os fatores que o determinam? Que agentes atuam para
produzir o caos? A quem este interessa? Enfim, qual a lógica que orienta o caos
social no qual está mergulhado o município de Igarapé-Miri?
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